Lúcia era uma jovem de dezoito anos e oriunda de uma família arruinada. A tia, sua madrinha, tinha-a convidado e tinha-lhe oferecido o vestido para um baile. Como a tia não lhe oferecera os sapatos e Lúcia não tinha posses para comprar uns novos, recuperou uns velhos e bolorentos que encontrou no sótão de sua casa.
Este era o seu primeiro baile, na primeira noite de Junho, numa casa grande e antiga, rodeada por um jardim.
Ao chegar, Lúcia, acompanhada pela tia, cumprimentou os donos da casa. Estes chamaram a filha que levou Lúcia para a sala de baile. Uma sala grande, cheia de gente, dançando. A filha da dona da casa apresentou Lúcia às amigas, mas estas ignoraram-na e deixaram-na sozinha.
Lúcia, querendo passar despercebida, refugiou-se num lugar escondido, de modo a não ser vista.
Ao olhar-se a um espelho, achou-se pálida. Decidiu ir ao quarto de vestir pôr mais rouge. Aí, ouviu um grupo de raparigas falar mal a seu respeito, o que a fez recuar e sair. Parou em frente a um outro espelho e achou-se ainda mais pálida. Inesperadamente, surgiu atrás de si uma das raparigas que estava no quarto de vestir. Aproximou-se e disse-lhe que o espelho onde Lúcia se observava não reflectia as imagens reais, era como as pessoas más que não dizem a verdade. Alertou-a ainda que os maus reflexos, os maus olhares e as más palavras pretendem apenas a perdição da alma. A rapariga foi-se embora, deixando Lúcia confusa e irritada por não perceber o sentido daquelas palavras.
Lúcia voltou para o seu refúgio na sala de baile. Contemplou o que estava em seu redor. Tudo a deslumbrava. Porém, o que mais invejava eram, sem dúvida, os vestidos que não podia possuir.
Já debruçada sobre a janela, viu aproximarem-se de si, a filha da dona da casa e um rapaz moreno com quem ficou a conversar. Este avisou Lúcia do quão importante é não nos despistarmos, distrairmos ou enganarmos nos momentos em que temos de fazer escolhas para a nossa vida.
O rapaz convidou Lúcia para dançar e ela, com alguma hesitação, acabou por o acompanhar. Sentia-se satisfeita por ter a atenção de alguém que, acima de tudo, pertencia ao mundo do poder e da riqueza onde ela tanto queria penetrar. A meio da dança, o sapato esquerdo escorregou-lhe do pé, pois era-lhe largo. Lúcia continuou a dançar e fingiu não se aperceber porque tinha vergonha da sua verdadeira identidade. Todos os convidados se interrogaram e comentavam de quem seria aquele sapato tão miserável.
Lúcia, não tendo coragem de encarar o rapaz por não saber se ele se tinha apercebido de que o sapato lhe pertencia, assim que a música acabou, saiu da sala. Perto da escada avistou um quarto pouco iluminado. Entrou e fechou a porta que era forrada de espelho de cima a baixo. Sentiu-se perseguida pelo seu próprio reflexo e procurou na sala um lugar onde se pudesse esconder dele. Mas em toda a parte o espelho a via. Lúcia olhou novamente à sua volta e descobriu uma porta que dava para a varanda.
Já na varanda, Lúcia reflectiu sobre tudo o que havia acontecido nessa noite. Começou a ponderar a hipótese de ir viver com a sua tia-madrinha, que no dia em que Lúcia fizera dezoito anos, lhe tinha feito tal proposta, assegurando que se a jovem escolhesse viver com ela, lhe daria tudo o que necessitasse. Lúcia acabou por aceitar e trocou a sua vida modesta e livre por uma vida de luxo e poder, prometendo ainda que um dia voltaria àquela casa com um vestido maravilhoso e uns sapatos bordados de brilhantes.
Iniciou-se então um novo capítulo na vida de Lúcia, onde tudo lhe era oferecido. À medida que os anos passavam, Lúcia ficava cada vez mais bela. A sua vida era repleta de riqueza, êxito e triunfo.
Vinte anos depois, Lúcia recebeu um convite para um baile no primeiro dia de Junho, na casa onde vinte anos antes tinha sido obrigada, pela sua ambição, a escolher um novo rumo para a sua vida. Ao ler o convite, relembrou-se da promessa que havia feito.
Depois de dançar e de se mirar aos vários espelhos da casa, confirmando que estava magnífica, Lúcia decidiu voltar à sala onde vinte anos antes se fora esconder, depois de ter perdido o sapato roto e bolorento no meio da sala de baile. Ao entrar na pequena sala constatou, horrorizada, que a mesma imagem de há vinte anos atrás ainda se encontrava nos espelhos da sala.
Um homem que pareceu a Lúcia ter surgido do interior do espelho, conduziu-a até à varanda. Ordenou-lhe que lhe entregasse o seu sapato de brilhantes do pé esquerdo, dizendo-lhe que lhe devolveria o seu sapato velho para ela calçar. Lúcia recusou mas o homem insistiu, afirmando que enquanto muitos sofreram e foram abandonados, Lúcia teve uma vida maravilhosa e, por isso, aquele era o preço do mundo de riqueza que ela tinha escolhido.
No dia seguinte, pela manhã, foi encontrada morta. A causa fora uma síncope cardíaca, disseram os especialistas. No entanto, nunca houve explicação para Lúcia ter um sapato roto e bolorento calçado no seu pé esquerdo.
Beatriz Silva e Beatriz Gonçalves - 8ºC
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